De onde surge o nome Surma?
O nome Surma vem de um povo da Etiópia que vi num documentário na altura sobre as tribos Masai e os Surma que não têm acesso a bens materiais e vivem muito dos recursos que a terra lhes dá. Eu quis dar esta ligação um bocadinho humana à Surma e não ser só “Olha, vou fazer um projecto, só porque sim.”. Então quis dar essa ligação mais acolhedora, mais pessoal e decidi dar assim um projecto mais para as pessoas, um bocado homenagem ao povo deles que é incrível. Vão pesquisar, que eles são mesmo qualquer coisa.
Quando e como é que começou o teu percurso na música? Sempre soubeste que querias perseguir esta expressão artística em particular ou tinhas inclinação para outras áreas da arte e da cultura?
Eu tive um percurso mega atribulado na música. Desde muito miúda que fui muito motivada pelos meus pais, sempre tive muita música a acontecer em casa, desde o country aos jazz dos anos 50, sempre fui impulsionada nessa vertente da música e sempre tive aulas, comecei com aulas de bateria só que tinha quatro anos e precisava de uma base melódica e depois enveredei para o clássico, acho que entre os 10/11 anos com guitarra e piano clássico, também acabei por desistir passado meio ano, nunca me dei muito bem com aulas e teoria, ter que tocar de uma determinada maneira mas isso deu-me umas bases inacreditáveis para o que faço hoje em dia, o que foi inacreditável. Com 13/14 anos comecei aquelas bandas de liceu, Velvet Underground, The Doors, aqueles rocks dos anos 70 e foi assim uma experiência muito engraçada. Mas fui para o curso de ciências, não tem nada a ver com música, porque eu queria seguir medicina mas as minhas notas eram péssimas e assim que entrei no curso vi “Ok, isto não é para mim”. Adorava a física, e aquelas coisas de eletrónica - lá está, a Surma é um bocadinho essa coisa de explorar instrumentos e a parte mais orgânica. Acabei por fazer o curso em ciências e mudei-me para Lisboa com 16/17 anos e entrei para o Hot Club que é uma escola de Jazz em Lisboa e fiquei lá durante dois anos e meio e também não acabei o curso que era de quatro anos e meio e foi aí que me deu a inspiração de começar um projecto a solo e criar coisas, sem barreiras. Mas sim, o caminho da música sempre foi visto como uma diversão para mim, mas tive uma epifania do género “Se calhar só sei fazer isto, isto é que me faz realmente feliz”, era um bocadinho um dado adquirido que eu tinha mas aí é que eu me embebi a 100% na música. Apesar de ser música, não me inspiro de todo em música. Quando vou para estúdio, não ouço música durante essa semana. Gosto imenso de ver coisas de arquitectura, mais pela imagética, filmes, livros, inspiro-me muito nas áreas paralelas e acho que está tudo ligado umas coisas com as outras.
Quão grande é a influência da música na tua vida? De que maneira és influenciada pelo que ouves e pelo que fazes?
Lá está, pelo que eu ouvia desde miúda era para ser uma cantora daquelas red neck do Texas, a fazer country. Sempre ouvi muito Johnny Cash, esse tipo de músicas e sei lá, Herbie Hancock e essas coisas mais dentro do jazz e do country. Eu não sei mesmo como é que fui para a eletrónica, não faço a mais pequena ideia, como é que fui para este sítio, aconteceu, não pensei muito. Comecei a ficar um bocado obcecada com pedais de guitarras e sintetizadores e pensei “OK, se calhar isto é fixe” e aprendi isso tudo em casa, como é que havia de explorar essa parte da eletrónica mais a fundo. O que é que me inspira? Acho que foi todo o ensinamento dos meus pais desde miúda que absorvi vários géneros musicais e não fiquei só num.
Sabemos que usas várias samples no teu trabalho. O que pensas sobre a partilha de ideias e cultura no âmbito da expressão artística?
Viajar para mim é das melhores coisas do mundo. Eu tenho muitos samples africanos, muito da Islândia e dos países escandinavos que é uma coisa que me inspira muito, acho que tenho um fascínio. Primeiro de tudo adoro frio e adoro toda a cultura deles, desde a música, teatro, eles têm coisas inacreditáveis. Acho que viajar para mim é das maiores inspirações que tenho até hoje, eu costumo gravar pequenos sons a cada pais que eu vou. Por exemplo, tive na China há uns 5 anos e gravei muito, eles parece que estão tipo a ralhar todos uns com os outros e fiz um som com isso que parecia um beat, que eles têm muito ditongo. E gosto muito de explorar essas coisinhas orgânicas. E sempre que vou viajar encontro sempre essas coisas. Por exemplo São Paulo também me deu uma inspiração incrível, é densa, é uma cidade e gosto de explorar as cidades nesse aspecto, cidades, países, o que quer que seja. Gosto muito. É divertido.
Quais são as tuas maiores influências a nível da cultura portuguesa, seja de que área for?
A Joana Guerra, que é uma violoncelista incrível. Eu já tive oportunidade de a chamar para tocar comigo e estava tipo a tremer. O Pedro Melo Alves e o João Hasselberg, que é um contrabaixista e o Pedro Melo Alves explora a bateria de uma maneira muito fora da caixa. E uma escritora que eu adoro que é a Hasse Pais Brandão. Há muitas coisas que me inspiram.
Achas que a moda e a música podem andar de mãos dadas? Qual é que achas que pode ser a influência de um e outro nos respectivos campos?
Sempre quis ligar a vertente do cinema e da moda à música, que acho que é importantíssimo. Lá está, vou muito pela imagem, a primeira coisa que me inspira é a imagem e como é que eu vou explorar as coisas. Por exemplo, aquela árvore tem música, ou aquele tipo de roupa de roupa em música e gosto muito de explorar essas diferentes estéticas em música tanto que o meu novo álbum vai ser muito inspirado na androginia. Lá está, acho que a moda vai muito dentro desse mundo e não ter um género especifico é sem barreiras, é arriscar tudo e mais alguma coisa e acho isso inacreditável no mundo da moda e no mundo das artes no geral. E acho que cada arte se interliga uma com a outra, não me vou inspirar só em música, isso acho que é o óbvio, e a moda sempre foi uma coisa que eu quis ligar à música. A moda e o cinema.
Qual é a causa que consideras mais tua? Qual é a tua voz e qual é a mensagem que tentas mais transmitir através da tua música, do teu trabalho e de tudo o que fazes, seja inserido num contexto laboral e criativo ou mais pessoal?
Eu acho que tudo, honestamente. Eu não tenho letras, é fonético, eu tento explorar a voz como se fosse um instrumento e acho que cada pessoa tem uma interpretação muito própria de cada música. Eu tento ser o mais activista possível dentro da comunidade LGBT, do racismo, tantos outros temas que há aqui, violência doméstica. Eu tento dar uma voz geral para tudo, sinceramente, não nos podemos focar só num assunto com tanta coisa para discutir e para defender, acho que não tenho um só tema. Acho que é uma voz geral para todos os assuntos que têm que ser resolvidos, acho que já estamos um bocadinho nessa altura e já chega de desigualdade e bora lá fazer isto acontecer e igualdade para tudo e mais alguma coisa e não chegar aos extremos. Acho que o extremo aqui não é muito fixe, acho que há malta que às vezes é um bocado extremista em relação a muita coisa. Isto são temas um bocado complexos, muito complexos e é perigoso, tem muitas minas entrar nesses temas. Mas acho que é uma voz geral para todos esses temas que têm que ser resolvidos.
Como definirias a moderna cultura portuguesa?
Acho que não há uma definição, muito sinceramente. Acho que estamos tão ecléticos. Na música, temos bandas incríveis de jazz, de rock, de experimental, de eletrónica. Moderno, eu sei lá o que é o moderno. Acho que é tudo o que está a acontecer neste momento, acho eu. Acho que a malta está a arriscar e não está com medo da opinião, e dos midia, e das crítica, e fazem aquilo que querem, se eu gosto as pessoas vão gostar de certeza porque sou eu. Acho que é um principio bonito.
Qual é para ti o papel das marcas, como a Overcube, na voz que a moderna cultura portuguesa deve ter no que diz respeito à música, à diversidade, à disrupção, à inclusão e a outras tantas áreas essenciais ao desenvolvimento?
Eu acho que devia haver muitas marcas como a Overcube. Lá está, a primeira coisa que me disseram foi - traz um outfit teu, a maquilhagem é aquilo que tu queres, não chegas aqui e és tipo um boneco, olha veste aquela roupa e maquilhas assim ou penteias assim. Eu acho que as marcas ainda estão um bocadinho fechadas nesse aspecto, é uma ideia muito delas e as pessoas convidadas têm que se limar àquilo que eles querem definir enquanto estética e a Overcube acho que foi das primeiras marcas que eu trabalhei que dão a liberdade total à pessoa convidada e eu acho isso inacreditável e acho importantíssimo ter marcas assim com essa liberdade incrível e confiar nas pessoas que convidam.