De onde surge o nome Kappa Jotta?
Não tem assim uma história muito especial, desculpem se vos desiludo. Houve assim uma altura na minha zona, eu sou de Cascais, da linha C, ali dos arredores e a malta chamava-se muito cota, tipo, cota Janeiro, cota Velhinho, cota não sei quê, cota para aqui, cota para ali... E o meu apelido é Janeiro e então houve uma altura, quando comecei a fazer sons e quis lançar os meus sons e tinha que ter um nome e toda a gente me chamava cota janeirinho e daí ficou cota janeiro mas cota não, janeiro não e foi tipo “kapa, jota...”... C e J também não ficava bem, depois só o kapa ou só o jota também não ficava fixe e depois foi um bocado estética tipo, escrevi, ficou fixe ali um kappa, Jotta.
És um dos nomes mais importantes do panorama hip-hop/rap de Portugal. Como é que vês a expressão da cultura hip-hop e rap no nosso país?
Eu não sou importante em lado nenhum! Nem lá em casa já. Vejo (a evolução) cada vez mais, vejo que os miúdos estão aí a surgir. Eu noto muito pela minha geração, a malta quando começava a rimar era uma batalha com o beat, era tipo o beat a lutar para um lado e o rapper a lutar para o outro, estás a ver? Para encaixar, para a cena encaixar. E hoje em dia os miúdos, a primeira música que lançam, por norma, já vem encaixada no beat, já vem tudo com flow. Depois o auto-tune hoje em dia também é uma ferramenta que que eu acho que os ajuda. Eu acho que não consigo muito bem atinar com aquilo mas vejo que os miúdos brincam com aquilo e aquilo é preciso ter uma skill, aquilo não é só - ah, metes o auto-tune e estás a cantar bué bem. É preciso teres uma skill e teres à vontade com aquilo e dedicares-te para conseguires fazer. Há malta que até usa só por estética. Tens malta como por exemplo o Dino d’Santiago, não é hip-hop mas é da cultura urbana, o homem canta que é uma coisa parva e tem auto-tune e tu vais a ouvir as músicas e aquilo é bué auto-tune. É uma questão estética. Eu acho que o panorama da música urbana em si, não só do hip-hop, está em evolução extrema mesmo, tanto em Portugal como lá fora.
Como te defines enquanto músico e quais as maiores influências no teu trabalho?
Eu não me considero muito, sabes? Eu não tenho muito tempo para pensar nisso. Imagina, eu sou uma pessoa bué simples e acho que como músico também sou assim simples, um bocado se calhar mais perfeccionista. Na parte da música do que na parte da vida, na parte da vida sou um bocado mais deixa andar, na parte da música sou um bocado mais focado. Não te sei bem explicar, é bué difícil caracterizar-me assim como músico. Aliás, o que me stressa na vida é o meu trabalho. O que uma pessoa tem que pensar à volta de tudo o que o público não vê. O público vê uma música de três minutos - eu estou há dois anos a pensar como é que vou lançar essa música de três minutos. Claro que tenho músicos que me influenciaram indirectamente, tenho malta também da minha zona que me influenciou mesmo directamente mas assim a maior influência, isto é um bocado cliché mas é verdade, é o que tu passas na vida. Por exemplo, o tempo de pandemia, eu dou por mim a pensar “eu não tenho o que dizer!”. Vou escrever sobre o quê? Estão-me a mandar beats e eu estou tipo “Yah, vou escrever.” mas depois começo a pensar assim “O que é que eu fiz nos últimos seis meses?”. Até penso que vou falar sobre os outros anos mas depois é complicado. Portanto a maior inspiração acaba por ser, é cliché mas é verdade, é a vida, é o que tu passas na vida.
Achas que a moda e a música podem andar de mãos dadas? Qual é que achas que pode ser a influência de um e outro nos respectivos campos?
Acho que sim, ambos são lifestyle. E o lifestyle junta-se. Tu vais a um desfile de moda e está a dar música, não é? Tu vais ver um videoclipe e vês que o people tenta estar minimamente nas tendências ou tenta até criar uma tendência. Porque obviamente queres que as pessoas vejam o teu vídeo, queres aparecer fixe no teu vídeo então acho que se conjuga na perfeição uma coisa com a outra.
Qual é a causa que consideras mais tua? Qual é a tua voz e qual é a mensagem que tentas mais transmitir através das tua música, do teu trabalho e de tudo o que fazes, seja inserido num contexto laboral e criativo ou mais pessoal?
A música surgiu muito na minha vida por desabafo. Não para passar uma mensagem ou assim, ou para dizer algo a ninguém mas sim para libertar os meus demónios, digamos assim. Eu falo muito sobre a minha vida, sobre os meus erros, sobre o que eu tenho conseguido, sobre o que eu quero e ambiciono conseguir. Portanto é um bocado aquela cena de não faças o que eu fiz, olha, eu fiz isto então se tiveres dois dedos de testa, não faças, faz o contrário porque eu não me portei bem. É um bocado essa cena e acho que tenho muito a cena de pelo que eu passei, pelo que eu sou, uma cena muito motivacional - não motivacional do género “yah faz por ti mano”. Não, mas se calhar o que tu ouves nas músicas, e o que tu vês que eu passei e tu vês o que eu consegui - não que eu seja o maior rapper do mundo ou de Portugal ou whatever - mas acho que o que consegui já foi fixe, analisando a minha voz difícil, analisando o meu tipo de música difícil, etc, isso acho que acaba por ser uma motivação para os miúdos verem tipo “yah, este gajo, se ele conseguiu, porque é que eu não vou conseguir?”. Que foi também um bocado o que me motivou a insistir na música, não o que me influenciou mas o que me motivou como trabalho foi ver outros artistas a conseguirem.
Como definirias a moderna cultura portuguesa?
Diria que a ministra tem que nos dar mais guita. Se nela não abre os cordões à bolsa nós vamos todos para a banca rota e não há mais moderna cultura nem nada.
Qual é para ti o papel das marcas, como a Overcube, na voz que a moderna cultura portuguesa deve ter no que diz respeito à música, à diversidade, à disrupção, à inclusão e a outras tantas áreas essenciais ao desenvolvimento?
A música é uma cena de expressão, de tu expressares aquilo que tu sentes, aquilo que tu és. Isso espelha-se na tua música, quando tu fazes a tua música ela acaba por ser quase um reflexo do teu ser. E acho que a roupa também diz muito sobre uma pessoa. Não é que dite realmente aquilo que tu és, não vamos julgar ninguém pelo aspecto mas a maneira como tu estás vestido, tenhas ou não tenhas dinheiro, e o dinheiro aí já não tem a ver com o teu bom gosto ou com o teu gosto pessoal, mas acho que a roupa também reflecte muito na pessoa que tu és então aí as duas cenas juntam-se bué bem. Então, eu estou assim vestido - tu já me estás a tirar uma pinta. É lógico, é normal. Se calhar amanhã apareço de fato e gravata e outra pessoa vai pensar outra coisa de mim. São dois extremos. Mas o que tu vestes por hábito, no teu dia a dia, dita aquilo que tu és. Se tu te vestes muito de cores por norma tu és uma pessoa alegre ou que está à procura de alegria, se te vestes muito de preto tu és uma pessoa mais serena. As cores da roupa que tu escolhes ditam bué aquilo que tu queres passar. Tanto que num videoclipe mais animado, ou de Verão ou assim, a malta por norma está mais colorida. Num clipe de Inverno ou que queiras passar uma mensagem mais straight a malta por norma está toda de preto ou cores mais neutras. Sobre as marcas, eu vou ser sincero, eu acho que as marcas podiam estar mais inseridas na cultura. É o que eu penso. Isto que a Overcube está a fazer, acho que poucas marcas o fazem. As marcas normalmente, principalmente as marcas grandes, não dão valor a Portugal, por Portugal ser pequeno, etc. E normalmente utilizam até as campanhas que fazem lá fora e metem a circular cá em vez de fazerem com malta de cá que provavelmente ia puxar muito mais público de cá para a marca em questão. Então acho que as marcas acabam por perder por aí mas acho que também está muito em evolução. Por exemplo, eu 2017 ter um patrocínio, um gajo do rap ter um patrocínio, isto não cabia na cabeça de ninguém. E estamos em 2021 e temos um gajo de rap a fazer campanhas de publicidade para supermercados. Principalmente as marcas de roupa podem ganhar muita exposição através dos videoclipes, através de entrevistas, de shows que os artistas dão para milhares de pessoas e eu vejo poucos artistas com sponsors e apoios e fazer campanhas de marcas. Acho que isso ainda por evoluir mais apesar de já estar a evoluir.