CRIATIVIDADE / ORIGINALIDADE

Cristiana Morais

Sabemos que és fotografa de moda mas que não é apenas aí que está a total expressão da mesma na tua vida. Qual é o papel, indirecto ou directo, da moda no teu dia a dia, no teu trabalho e na maneira como vives?

Começou desde muito cedo porque a minha avó costurava-me roupas. Ela ia a Ayamonte para comprar tecidos e cortinados, porque eu sou de Portimão… e quando eu nasci ela fazia-me as roupinhas, até as fardas de carnaval, sempre tudo. Então com isso tornei-me muito vaidosa, porque tinha sempre alguém a fazer-me as roupas e a vestir-me, etc… E mesmo em adolescente eu comprava roupa e tentava altera-la, porque não gostava de ficar vestida igual ás outras pessoas. Sempre tive essa necessidade de me destacar a nível de roupa. E quando andava na escola até pensei mesmo em tirar Design de Moda… foi uma das coisas que pensei em seguir. Muitas poucas pessoas sabem disso… mas eu até desenha algumas roupas, coisas que eu pensava na altura. E quando segui fotografia para mim fazia todo sentido estar mais ligada à moda, porque é algo que ajuda bastante a destacar a sua personalidade. O que tu vestes ajuda-te, como não podes andar nua na rua, não é? Ajuda-te a mostrar a personalidade, quem tu és.

E em que momento que decidiste seguir com fotografia no lugar de moda?

Foi na segunda área quando comecei a usar a fotografia como suporte para fazer trabalhos, e eu sempre fotografei desde muito cedo… Foi um lado que dominou mais, o querer fotografar. Decidi a fotografia porque era algo que encaixava melhor, para mostrar o que eu queria fazer. Eu tinha cerca de 14 anos, 13 ou 14… na segundária eu já sabia que era fotografia que eu queria seguir.

Como te defines enquanto fotografa e qual a relevância da moda no teu trabalho, mesmo quando não trabalhas directamente com fotografia de moda?

essência da pessoa de uma forma super leve, mesmo em moda eu noto que tento sempre encrtir um pouco a essência da pessoa, mesmo que ela esteja a encarnar outra coisa, não é… porque está a vestir a roupa de uma marca que tem que promover. Na mesma tento tentar um elo entre a pessoa estar a usar a roupa para promover a marca e ao mesmo tempo um bocado da personalidade da pessoa lá. Quando não está ligado a moda tento captar a essência daquela pessoa. Eu adoro fazer retratos… adoro mesmo fotografar pessoas e tentar captar quem elas são. E tentar criar um elo entre mim e a pessoa, tentar deixa-la a vontade para a pessoa sentir-se tão a vontade que eu consigo mostrar essa energia mesmo natural da pessoa. É um bocado por ai.

A fotografia, pelo menos no passado, é um mundo mais dominado pelo universo masculino. Achas que as portas se estão a abrir para as mulheres e/ou pessoas que se identifiquem com o sexo feminino ou ainda é um caminho longo a percorrer?

Não, já se nota diferença… Principalmente na comunidade. Mesmo entre homens e mulheres fotografo já existe muito mais comunicação. Na altura que eu comecei a fotografar ainda havia muito aquela essência de competitividade. Hoje em dia já se nota que é um pouco mais criar comunidade, já se nota que estamos na mesma área e há trabalho para todos, começa a haver um sharing de conhecimento e um bocado de sharing de… mostrar que gostas do trabalho de outra pessoa, não teres medo de dizer que a outra pessoa tem um trabalho bom mesmo sendo da nossa área. E eu noto essa diferença que desde 3 anos para cá há muito mais comunicação entre colegas em dizer “o teu trabalho está muito bom”, “gosto imenso, continua”. E sabes que isso ajuda também as mulheres a destacarem-se na área. E sabes que as mulheres… isso é uma opinião própria minha, mas as mulheres acho que como tem um lado um bocadinho mais sensível e emocional que os homens, porque eles sempre foram criados em retrair completamente esse lado… as mulheres tem muita facilidade em captar a essência da outra pessoa, e criar um pouco mais de ligação com a pessoa que estão a fotografar. Eu acho interessante porque as vezes observo trabalhos em que eu noto a diferença entre uma mulher a fotografar e um homem… por acaso noto isso. Acho que sim, acho que as mulheres no geral estão a conseguir ter um papel muito importante na área de fotografia, estão a se destacar cada vez mais.

Como classificarias os estereótipos de beleza e corpo recorrentes no mundo na moda, impostos pela sociedade em geral, e que papel achas que eles têm na cultura jovem?

Da minha experiência, na altura em que eu era adolescente, eu não tinha role models, era muito difícil veres uma pessoa como eu, uma pessoa gorda, a ser destacada ou a ser fotografada ou a aparecer em uma campanha publicitaria. Era sempre com uma conotação muito negativa. Então eu cresci… sempre fui uma pessoa sem problema corporal, sempre achei que eu era bonita, nunca achei que fosse o contrário… tentei sempre combater no geral as pessoas que me rodeavam para não entrar comentários negativos na minha pessoa, nunca permiti isso. E como não havia role models eu criei-me quase como se fosse eu a minha própria role-model. Sim, eu sou uma mulher bonita, gosto de mim e etc e não tenho pessoas que me identifique mas eu me identifico comigo própria. E acho muito interessante hoje em dia no mundo da moda haver cada vez mais diversidade de corpos. Embora as vezes se torna um bocado moda porque agora toda gente quer ser diversificado… mas é importante cada vez mais irmos para uma vertente de normalização porque todas as pessoas existem, do que propriamente um “body positive”. É mais uma normalização, criar uma normalização de que é possível esta pessoa estar a fazer essas fotos assim, ou estar a fazer essa campanha. Não haver essa diferença, porque o que é interessante é essa diferença que nós todos temos. E destacar um bocado isso. Porque pode ser sempre interessante visualmente ter várias pessoas, vários corpos, pessoas completamente diferentes. Porque é interessante mostrar que na realidade é esse tipo de sociedade que nós temos mas por que é que não destacamos? Por que é que não mostramos? Acho bom hoje em dia cada vez mais ter essa abertura, embora ainda ache que é necessário trabalhar algumas coisas. Mas no geral acho que estamos a caminhar para algo bom.

Qual é a causa que consideras mais tua? Qual é a tua voz e qual é a mensagem que tentas mais transmitir através das redes sociais, do teu trabalho e de tudo o que fazes, seja inserido num contexto laboral e criativo ou mais pessoal?

Por exemplo, nas redes sociais eu tento misturar um bocado as duas coisas. Obviamente primeiramente sou fotografa mas acho que é importante mostrar um bocado a minha personalidade e aquilo que eu gosto de fazer. Então eu tento misturar um pouco as duas coisas de trabalho e autoretrato porque tornei o auto retrato um bocado algo meio terapêutico para mim e um bocado também de trabalhar tecnicamente certas coisas em fotografia que eu as vezes não tenho oportunidade para fazer com outras pessoas ou com clientes e tentar mostrar para já a minha personalidade de normalização corporal, como eu gosto do meu corpo e estou a vontade, descomprometer esse estigma que existe do corpo gordo e trabalhar um bocado nestas duas vertestes. E na realidade acho que a minha voz vai um bocado por essa normalização. Sou uma pessoa como outra qualquer, ok tenho um corpo gordo mas não sou menos que as outras pessoas. Então tento jogar sempre com as duas coisas e acho que tem estado a funcionar super bem e surgem oportunidades como estas de ser modelo, que me ajudam a mostrar mais a minha personalidade na rede social. Porque eu sou muito apologista de what you see is what you get, não é porque está na rede social que não és o que vais ver na realidade naturalmente. Não é cuidado, mas se torna natural no processo. Então acho que as duas coisas ligam perfeitamente uma com a outra.

Como definirias a moderna cultura portuguesa?

Eu acho que nós estamos a caminhar pra algo mais diversificado. Estamos a ir de encontro com as nossas raízes mas a criar um pouco mais de twist e a modernizar um pouco. Na moda então eu acho super interessante o facto de termos comunidades completamente diferentes de homens, mulheres, no gendres, transexual e etc. e as pessoas transparecerem isso com a roupa. Acho super interessante haver pessoas que vestem-se sem haver um género muito especifico e a criatividade que elas mostram na roupa nesse sentido. E acho mesmo muito interessante na roupa para mim por exemplo, e acho que isso está a marcar mesmo uma modernização da cultura portuguesa.

Qual é para ti o papel das marcas, como a Overcube, na voz que a moderna cultura portuguesa deve ter no que diz respeito à moda, à diversidade, à disrupção, à inclusão e a outras tantas áreas essenciais ao desenvolvimento?

Eu acho que é importante principalmente quando se convida pessoas que não fazem parte da normativa social. As marcas nesse sentido ajudam bastante a quebrar a corrente de haver sempre o mesmo tipo de pessoas a aparecer, e acho que esse é o papel mais importante das marcas. Nem é especificamente real peoples, mas corpos diferentes, pessoas diferentes, com vidas diferentes, porque as pessoas sempre tem algo interessante para mostrar, independente de como elas são ou não, vivencias e etc. E acho que é mesmo importante as marcas nesse sentido trabalharem com pessoas diferentes por que quebra o padrão, por assim dizer, e acaba por mostrar ao publico em geral que aquela pessoa pode se identificar facilmente com aquela que está na campanha. E acho que isso ajuda bastante.