Criatividade/Originalidade

Filipa Pinho

Filipa, como surgiu a tua abordagem às artes plásticas e como é que decidiste dedicar-te a um canal e a um suporte tão tradicional como o bordado mas com uma abordagem tão contemporânea?

O meu primeiro contacto com o bordado foi quando eu era mesmo miúda, tinha 10/11 anos e a minha mãe enfiou-me numa aula – aquilo a que nós chamamos hoje de workshop - com uma senhora já com alguma idade a ensinar os catraios a bordar. Eu detestei! Detestei porque os pontos eram muito específicos, e eu tinha que seguir um movimento a seguir ao outro, e isso para mim confundia-me imenso, não conseguia. E então fui dois sábados e desisti. Nunca mais voltei a pegar em agulhas e tecido, até que já na faculdade houve alguns trabalhos onde eu comecei a usar têxteis e depois sim, passei ao bordado, crochet. À medida que fui desenvolvendo trabalho fui desconectando um bocadinho da parte muito conceptual, que era muito obrigatória na instituição, queria-me desprender dessas regras. Mas continuei com o bordado, e fui desenvolvendo trabalho próprio sem grandes expectativas. Simplesmente fui continuando. Peguei em tudo aquilo que eu detestei naquelas aulas quando era miúda, e tentei ter então uma abordagem mais livre, a fazer uma técnica livre, que me permite chegar ao detalhe e que, se eu fosse seguir os pontos tradicionais, não conseguia atingir.

Achas que é possível viver da arte em Portugal e achas que há espaço para os jovens artistas se desenvolverem, progredirem e criarem?

Não, não, não. Definitivamente não. Muito difícil. Eu há alguns anos atrás, quando comecei a levar o meu trabalho mais a sério, eu desisti do mercado nacional totalmente. Nada contra, muito infeliz que não aconteça, gostava muito que acontecesse! Mas à medida que fui desenvolvendo trabalho, sem a pressão de ter que o vender e ter que viver dele, eu acho que o tornou mais puro, mais honesto e com o passar dos anos eu consegui criar um público que me acompanha. Há um certo diálogo, eles entendem o sarcasmo, entendem a ironia, há muita dualidade - não só no meu trabalho, mas na personagem que eu apresento, que é uma espécie de avatar que todos criamos enquanto experienciamos o mundo. Nós criamos o nosso próprio avatar e, muitas vezes, não nos apercebemos que vamos trabalhando e polindo essa personagem. Há sempre essa dualidade, não só na personagem que eu criei, como na minha vida pessoal. Existe bastante dualidade, e no meu trabalho também. Então, sem a pressão de ter que viver do meu trabalho, acho que ele se tornou mais honesto porque não havia a questão de ter que sobreviver dele. Ia tendo imensos part-times, que era isso que me sustentava monetariamente. A certa altura o trabalho começou a evoluir ao ponto de o vender, o que é fantástico. Mas sim, extremamente difícil em Portugal, é com muita pena que não tenho público cá, mas teve que ser. Onde há público, eu estou lá para ele.

Como é que vês a inclusão da mulher e a igualdade de género a decorrer em Portugal e em que medida é que isso está a ser incluído no trabalho artístico a decorrer em Portugal e no teu trabalho em específico?

Sendo mulher, e vivendo na sociedade em que vivemos, é impossível eu me desligar. Apesar de não ter uma voz muito ativa, ou fazer questão de ser politicamente correta, tenho um meio muito específico onde faço o meu discurso que é o meu trabalho. Experimentando o mundo através da sociedade em que estou inserida é impossível não ser afetada, não experienciar o mundo através daquilo que não estou de acordo. Isso é notório no meu trabalho, em qualquer um dos meus trabalhos está um problema. Não demasiadamente explícita: prefiro deixar espaço para que o espectador crie as suas próprias conclusões. Prefiro dar tempo para pensar, dar tempo para chegarem às suas próprias reflexões. Hoje em dia há muita informação, é tudo muito claro, tudo muito rápido. Não há tempo para pensar e tirar as suas próprias leituras. Por isso é que faço questão de não escrever sobre o meu trabalho. Não há nada que existe que diga “este trabalho assenta sobre determinada coisa”. Não definindo um objeto, um bordado, há espaço para ele ser muito mais. As palavras determinam coisas, mas também são muito restritivas e eu quero manter essa experiência pessoal. Quero que o público e o espectador tenham tempo e espaço para definirem aquilo que estão a absorver. Se é certo, ou errado, não há.

Qual é para ti o papel das marcas, como a Overcube, na voz que a moderna cultura portuguesa deve ter no que diz respeito à arte, à inovação, à disrupção, à inclusão e a outras tantas áreas essenciais ao desenvolvimento?

Primeiro, um papel super importante. Ao receber esta proposta, ao ver o moodboard, percebi “ok, isto é óptimo”. Especialmente uma marca de calçado. Porque nós temos uma indústria de calçado tão grande em Portugal ,e acho que valorizamos muito pouco. E fiquei contente por escolherem artistas que estão assim mais na sombra, e que não se identificam tanto com a nata. Porque há muitos bons artistas, e eu não posso falar por eles, mas eu identifico-me nesse núcleo de artistas mais underground que estão a fazer o trabalho deles por puro prazer e que não estão à procura de reconhecimento ou que sejam validados por outras pessoas. Só estão a fazer o trabalho pelo trabalho. Ninguém faz ideia onde é que eles estão, o que é que estão a fazer, mas a riqueza e a honestidade que estão por detrás é priceless. Acho óptimo que haja uma marca, e em Portugal, que faça uma recolha dessas pessoas. De novo, não posso falar por elas, mas eu tento ficar um bocadinho mais resguardada.